quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Voltar para casa!

A vida se estende por um longo período – setenta, cem anos. A morte é intensa, porque ela não se estende; ela se concentra num único instante. A vida tem de se prolongar por setenta, cem anos, ela não pode ser tão intensa. A morte vem de uma vez só; vem inteira, não vem em partes. Ela será tão intensa que nada que você conhece a superará em intensidade. Mas, se ficar com medo, se antes da morte chegar você fugir, se ficar inconsciente por causa do medo, você perderá uma oportunidade de ouro, o portal dourado. Se durante toda sua vida você aceitar as coisas, quando a morte vier, com paciência e passividade, você a aceitará também e irá ao encontro dela sem fazer nenhum esforço para fugir. Se você conseguir aceitar a morte passivamente, em silêncio, sem esforço, ela desaparece.
              Nos Upanishades conta-se uma história antiga de que eu sempre gostei muito. Um grande rei chamado Yayati fez cem anos. Já era o suficiente; ele já vivera demais. Tinha aproveitado tudo que a vida lhe dera. Fora uma dos maiores reis de seu tempo. Mas a história é belíssima...
              A morte chegou e disse a Yayati, “Prepare-se. Chegou a sua hora e eu vim buscá-lo”. Diante da morte, Yayate, que fora um grande guerreiro e vencera muitas guerras, começou a tremer e disse, “Mas é cedo demais!” A morte então disse, “Cedo demais!? Você viveu cem anos! Até os seus filhos já estão velhos. O seu primogênito tem oitenta anos. O que mais você quer?”
              Yayate tinha cem filhos, pois tivera cem esposas. Ele perguntou à morte, “Você pode me fazer um favor? Eu sei que você tem de levar alguém. Se eu conseguir convencer um dos meus filhos, você pode me deixar aqui por mais cem anos e levá-lo no meu lugar?” A morte respondeu, “Para min não há problema algum se houver alguém preparado para ir. Mas eu não acho que haverá... Se você não está preparado, você que é o pai, já vivei mais e aproveitou tudo o que tinha para aproveitar, por que o seu filho estaria preparado?”.
              Yayate chamou os seus cem filhos. Os mais velhos permaneceram calados. Fez-se um grande silêncio, ninguém dizia nada. Só um filho, o mais novo, com dezesseis anos apenas, levantou-se e disse, “Eu estou preparado”. Até a morte lamentou pelo menino e lhe disse, “Talvez você seja inocente demais. Não vê que os seus noventa e nove irmãos ficaram em absoluto silêncio? Um tem oitenta anos, o outro tem setenta e cinco, o outro tem setenta e oito, o outro tem setenta – eles já viveram, mas querem viver mais. E você ainda nem viveu. Até mesmo eu me entristeço por levar você. Pense melhor”.
              O rapaz respondeu, “Não, só de ver a situação já tenho certeza. Não se entristeça nem lamente; eu vou com absoluta consciência. Posso ver que, se o meu pai não se satisfez em cem anos, que sentindo faz permanecer aqui? Como eu posso me sentir satisfeito? Estou vendo os meus noventa e nove irmãos; ninguém está satisfeito. Então para que perder tempo? Pelo menos eu posso fazer este favor a meu pai. Na sua idade avançada, deixe-o aproveitar mais cem anos. Mas para min acabou. Diante dessa situação em que ninguém esta satisfeito, uma coisa ficou bem clara para mim: mesmo que eu viva cem anos, também não ficarei satisfeito. Portanto, que diferença faz partir hoje ou daqui a noventa anos? Pode me levar”.
              A morte levou o rapaz. Depois de cem anos ela voltou e Yayate teve a mesma atitude. Ele disse, “Esses cem anos passaram tão rápido! Todos os meus filhos morreram, mas eu tenho outros. Posso lhe dar um deles. Só tenha misericórdia de min”.
              E essa situação continuou, conta a história, durante mil anos. Dez vezes a morte veio e nove vezes ela levou um dos filhos, deixando que Yayate vivesse mais cem anos. Na décima vez, Yayate disse, “Embora eu esteja tão insatisfeito quanto estava quando você veio pela primeira vez, agora, embora de má vontade, relutante, eu irei, pois não posso continuar a lhe pedir favores. Já chega Uma coisa ficou clara para mim: se mil anos não me trouxeram contentamento, mais mil anos também não trarão”.
              Isso é apego. Você pode continuar vivendo, mas como a ideia da morte é chocante, você ficará apreensivo. Mas, se você não estiver apegado a nada, a morte pode vir neste exato momento e você a receberá de bom grado. Estará absolutamente preparado para partir. Diante de uma pessoa assim, a morte é derrotada. Ela só é derrotada por aqueles que estão prontos para morrer a qualquer momento, sem nenhuma relutância.

              São esses que se tornam imortais, que se tornam budas.
              Essa liberdade é o objetivo de toda sua busca religiosa.
              Libertar-se do apego é libertar-se da morte.
              Libertar-se do apego é libertar-se da roda de nascimento e morte.
              Libertar-se do apego torna você capaz de seguir para a luz universal e de se fundir a ela. E essa é a maior de todas as bênçãos, o êxtase absoluto, além do que nada mais existe. 
Você estará em casa.


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